segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ferreira Gullar recebe o prêmio Camões 2010

Presto-lhe uma homenagem, transcrevendo o seu,

Recado

Os dias, os canteiros,
deram agora para morrer como nos museus
em crepúsculos de convalescença e verniz
a ferrugem substituída ao pólen vivo.
São frutas de parafina
pintadas de amarelo e afinadas
na perspectiva de febre que mente a morte.
Ao responsável por isso,
quem quer que seja,
mando dizer que tenho um sexo
e um nome que é mais que um púcaro de fogo;
meu corpo multiplicado em fachos.
Às mortes que me preparam e me servem
na bandeja
sobrevivo,
que a minha eu mesmo a faço, sobre a carne da perna,
certo,
como abro as páginas de um livro
-- e obrigo o tempo a ser verdade.

in, O Vil Metal (1954-1960)

Não há mais o que dizer...

domingo, 30 de maio de 2010

Leite Derramado

Acabei de ler "Leite Derramado", do Chico Buarque. A sensação que eu tinha quando lia, era que estava lendo José Saramago, com seus parágrafos enormes seguindo uma ordem quase aleatória. Gostei da leitura e , abaixo, transcrevo algumas frase e ditos interessantes ou apenas espirituosos ou realistas:
"... o caminho do sono é como um corredor cheio de pensamentos."
"... naquele tempo a gente era veloz e o tempo se arrastava."
"É a neve, ora bolas, disse ele muito sério, papai fazia questão de nunca sair do sério. Com uma miniespátula separou o pó branquíssimo em quatro linhas, depois me passou um canudo de prata. Mas não se tratava desa porcaria que idiota cheira por aí, era cocaína da pura, que só tomava quem podia."
"A memória é deveras um pandemônio, mas está tudo lá dentro, depois de fuçar um pouco o dono é capaz de encontrar todas as coisas. Não pode é alguém de fora se intrometer, como a empregada que remove a pepelada para espanar o escritório. Ou como a filha que pretende dispor minha memória na ordem dela, cronológica, alfabética, ou por assunto."
"Era um dia de sol e do alto da duna eu contemplava o trecho mais delgado da restinga, uma linha de branquíssima areia que o oceano não tragava por capricho, ou por piedade, ou por desvelo maternal ou por sadismo. As ondas espumavam simultaneamente, à direita e à esquerda da faixa da areia, era como uma praia diante do espelho."
"Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta. O ciúme é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa de sua feiura. Sabendo-se desprezível, apresenta-se com nomes supostos, e como exemplo cito a minha pobre avó, que conhecia seu ciúme como reumatismo."
"As pessoas não se dão ao trabalho de escutar um velho, e é por isso que há tantos velhos embatucados por aí, o olhar perdido, numa espécie de país estrangeiro."
"...cada mulher tem uma voz secreta, com melodia característica, só sabida de quem a leva para a cama."
"Mas se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida."

sábado, 29 de maio de 2010




















Perguntas
Pádua de Queiroz

Como posso ser feliz
se você só vive triste?
Como posso ser sincero
se você mente pra mim?
Como posso ser teu hoje
se ontem você me esqueceu?
E amanhã o que serei
sem você nos braços meus?

Como posso te falar
se você não me escuta?
Como posso ser tua vida
se você não quer viver?
Se você diz que me ama
então por que me faz sofrer?
Será mesmo que é melhor
querer e depois perder?

São perguntas que eu faço
e não consigo responder.
Porque eu só tenho em mente:
você, você, você...



Num dia como outro qualquer, com uma pressa qualquer eu precisava lavar o carro rapidamente, só por fora. Então escolhi um lava jato vizinho aqui de casa. Por não ter firmado uma clientela habitual, ainda, estava disponível para o meu desejo imediatista. Mas o melhor de tudo: Nem senti o tempo passar, porque um dos empregados se aproximou puxando conversa. Era um cordelista e poeta, cheio de sonhos, que também desenha e imprime seus versos de forma bem artesanal e distribui com absoluto desprendimento, acredito que enquanto a fama não vem.
Ele nasceu em Baturité, Ceará e escreveu um cordel, polêmico, segundo ele, Quem Acendeu Lampião.

domingo, 23 de maio de 2010

A Esperança é a primeira que nasce.














Domingo, o dia da semana preferido por mim. Leio jornais, revistas e livros acumulados durante a semana, ou simplesmente esquecidos. Se ensolarado, vou à praia, caminho, jogo conversa fora. Ou, como domingo passado, fico em casa me curtindo, curtindo a casa, as cachorrinhas... Vesti amarelo, intuitivamente, porque estava me sentindo cheia de energia. Na varanda, observo a movimentação da criançada pelo condomínio, quando um (mais ou menos nove anos de idade) me aborda e diz que a minha camiseta é esquisita, porque tem um machado cortando (ferindo) uma planta.



Não disse nada, sorri somente. E talvez tenha perdido uma oportunidade única de pedir para que ele lesse em voz alta a inscrição, olhasse bem a imagem, partindo para uma explanação sobre vários assuntos que permeiam nossa vida em sociedade, tais como: as aparências enganam, não devemos ter pressa para julgar, devemos pensar antes de falar, analisar os fatos antes de opinar etc., etc., etc.



Afinal a tal "camiseta" fala de esperança, de fé e de força inabalável mesmo quando o sofrimento nos corta ao meio, nos seca a seiva vital, pois ela teima em estar presente no nosso coração, em nos puxar para a vida e não para a morte. E ele é apenas uma criança, e está plenamente receptivo ao aprendizado. Além do mais, uma oportunidade perdida não volta mais. Mas, como a esperança é a primeira que nasce, quem sabe um dia uma nova situação ocorra, então não perderei a oportunidade.

sábado, 22 de maio de 2010

Sábado Poético



















Da Série Problemas Pessoais

meto a cara na manhã
empoeirada da metrópole,
arrasto comigo um poema
em busca de palavras exatas
para ser tecido.

jogo o corpo na manhã
cinzenta da cidade
com a cara lavada de perspectivas
e o coração que é um largo lençol
de cicratizes.

navego longamente na manhã
urbanotrópole
com o saco cheio de sair pela traseira da vida.
Salgado Maranhão, in Mural de Ventos, José Olympio Editora