quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

"...o terrível é o tempo"

Ficar de bem com o Passado tem sido a minha batalha mais íntima. Combater o sentimento de rejeição por uma conduta desastrada dos meus pais, sem no entanto deixar de amá-los. Tentar me colocar no lugar e no tempo deles para perdoá-los é fácil. O difícil tem sido limpar a cicatriz, que sei, nunca desaparecerá, mas um dia ficará tão imperceptível que não me incomodará mais. Conviver com as críticas e julgamentos idiotas dos que não conseguem aceitar outra verdade que não seja a sua própria tem sido a luta mais insana nesse quesito. Mas fiel ao princípio de que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, não desisto e continuo a viver o amor e o perdão, tentando e tentando não repetir com o meu filho esses atos insanos.
Subverter é a minha meta. Então, em vez de me enquadrar nos padrões, busco as soluções mais criativas dentro das minhas possibilidades. E tenho alcançado vitórias com muita dificuldade e tão lentamente, que às vezes, inúmeras vezes, tenho vontade de desistir, mas como já afirmei anteriormente desistir não faz parte dos meus planos.

III

O terrível é o tempo, a minha forma
de não ver o contínuo
real, os confundidos no presente
vários tempos que o mesmo tempo forja.
O abranger sucessivo
das coisas é que impede a minha urgente
vontade de entender o que em mim sente.
De olhos postos na vida e na esperança,
comtemplo com espanto esse inclinar-se
de frondes e de sombras
sobre a erva. Sei de mim que sou grave,
e tenho intensidade
sem luxúria, e o sentido que busco
de mim e do que vive é esse profundo

não saber minucioso de luz vária.
O fino amor que sinto
resiste à fria pedra, à dura gema,
e se exercita na constância da água;
e cresce enigma, absinto,
ora dilui, ora dilata a pena.
Esmorece? edifica? em forma lenta
permite, e não, o anelado contato
com o que é, sem atrever-se ao mínimo
movimento de entrega.
O gesto volta em ondas para dentro:
tenho o rosto tranquilo e o peito ardendo.
Mas quem salva do tempo esse passivo
contemplador do amor e do infinito?
- Marly de Oliveira, in Contato, ed. Imago -

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